Não é fácil ser deficiente. Em uma pesquisa de minha própria autoria sobre preconceito com as pessoas com deficiência, conclui que, entre todos os grupos minoritários, os cadeirantes eram objeto de maior hostilidade. Mas não foi sempre assim.
Nas duas vezes que fiquei internado no Hospital Sarah Kubitschek, local onde se concentra uma grande quantidade de cadeirantes , pude constatar que nós da categoria somos sim preconceituosos. Uma instituição em que ninguém se preocupava em julgá-la. Ou pelo menos deveria. Em alguns casos, era uma prática necessária dos ritos de maior e/ou menos tempo de lesão, num quadro regido pelas leis, mas se relacionando estreitamente com a masculinidade.
Com certeza afirmo que entre as mulheres não é diferente, há sim aquelas que se julgam mais experientes, até mesmo pelo tempo em que se encontra numa cadeira de rodas.
Na Europa dos séculos 12 e 13 começou a repressão maciça da pessoa com deficiência, considerados inúteis, que evoluiu até o terror da Inquisição. No século 19, a categoria não deixou de ser vista e considerada doença. Mas o tabu só diminuiu com o surgimento dos para-atletas, na década de 1960. A dissociação entre movimento e a reprodução de bons resultados nas modalidades praticadas no esporte, visando a independência.
Apesar de, hoje, os deficientes não serem mais considerados doentes, a discriminação continua e eles são hostilizados e agredidos. E quem são os preconceituosos? Estudos apontam pessoas conservadoras, rígidas, favoráveis à manutenção dos papéis tradicionais da civilização. E nós as pessoas com deficiência não fazemos parte dessa mesma sociedade? Ao se considerar, por exemplo, que um cadeirante não é homem, viril, capaz de reproduzir, fica clara a tentativa de preservação dos estereótipos andantes e "perfeitos", típicos das sociedades de dominação que temem a igualdade entre os seres humanos.
A cadeirantofobia é, para muitos homens, um mecanismo de defesa psíquica, estratégia para evitar o reconhecimento de uma parte inaceitável de si. Agredir os cadeirantes é um modo de exteriorizar o conflito e torná-lo suportável.
Mas o pior inimigo do deficiente é a sua própria cadeirantofobia. Ao introjetar os valores da sociedade em relação à deficiência, muitos cadeirantes se recriminam por desejar ser um melhor que o outro. Negam completamente, ou não aceitam a atual condição e levam uma vida dupla. É grande o esforço que fazem para acreditar que são deficientes, mesmo à custa de muito sofrimento.