Leonardo Vasconcelos
Especial para o NE10
Especial para o NE10
O jogo rolava solto no campinho de terra que fica ao lado da estrada em Ribeirão, na Mata Sul de Pernambuco. A criançada corria pra um lado e pro outro atrás da bola. A poeira subia de tão movimentada que estava a pelada. De repente, um dos meninos dá um grito e chama Jeferson que estava brincando sozinho do outro lado da via. Empolgado com o convite, o garoto louco por futebol na mesma hora acena avisando que vai entrar no time. Jeferson tinha apenas 4 anos quando isso aconteceu mas lembra como se fosse hoje.
“Fiquei tão animado que na pressa de chegar logo esqueci de olhar para os lados antes de atravessar. Quando eu chego no meio da estrada eu só vejo a pancada. O caminhão me acertou e eu caí por baixo dele. Aí quando eu tava no chão o eixo do caminhão me acerta na perna e me puxa. Quando eu paro e olho pra baixo só vejo minha perna bem ferida. Aí eu apaguei e no que acordei que dei fé já estava no hospital, anestesiado e já operado. Foi quando me vi sem perna pela primeira vez”. Esse é o relato de Jeferson Lima do momento em que sua vida mudou. A partir daquele instante, sabia que teria que continuar a sua caminhada na vida. Só que agora com uma perna só.
Não foi fácil. Ainda mais por ser criança. Mas saiu do hospital com duas amigas que o acompanham até hoje: as muletas. Com elas teve de reaprender em casa a fazer as tarefas mais simples que do nada se tornaram complexas. Para andar nas ruas tudo era novo, até mesmo os olhares que de uma hora pra outra passou a atrair. “É incrível. Eu andava pelos mesmos lugares de antes e topava com as mesmas pessoas, mas elas olhavam de uma forma diferente. É meio estranho porque quando eu passava é como se ao mesmo tempo eu não existisse e eu chamasse a atenção demais”, definiu.
Foi assim que Jeferson começou a perceber que teria que enfrentar todos os dias um problema. “Eu sofria muito preconceito. Em todos os lugares que frequentava, inclusive na escola. Me chamavam de aleijado, perninha, saci-pererê. É muito ruim esse sentimento de você perceber as pessoas apontando, falando de você. Muito ruim mesmo”, disse. Mas apesar das dificuldades, Jeferson nunca se deixou abater. Ele não parou de correr atrás daquela que anos atrás teve a ver com o acidente. Não ficou com raiva da bola. Pelo contrário, se apegou ainda mais a ela. O futebol continuou na sua vida.
Sim, ele joga bola. E bem. Hoje com 20 anos, se orgulha de ser o goleiro do bairro. Mas não se contenta em apenas defender a barra, ele também joga na linha. De forma impressionante para quem não tem o apoio de outra perna, ele pulando consegue correr, tocar a bola e dar bons chutes sem cair no chão. “Na boa, eu não me impressiono porque eu aprendi a fazer isso naturalmente. Pra jogar bola eu sabia que tinha que dar um jeito. Pulando eu consigo fazer tudo”, explica de forma simples.
Quando está em campo é comum ver plateias se formando para vê-lo jogar. As pessoas param, tiram foto, filmam no celular, sem acreditar no que o jovem tem capacidade de fazer. Uma pessoa em especial nem se surpreende mais. A mãe dele, Adriana da Silva, é a maior fã. “Um orgulho danado. Apesar do acidente, ele é um menino feliz que sempre adorou futebol. Desde os oito, nove anos já jogava de igual pra igual”, contou sem tirar os olhos do filho jogando bola.
Jeferson também impressiona a todos com outras habilidades. Ele anda de bicicleta pra todo lado desafiando a gravidade. Além disso, também mostra coragem ao dar saltos na água de grandes alturas em barragens. Na natação, chama a atenção novamente pela desenvoltura. Por tudo isso é que não acredita em rótulos. “Eu não me vejo como deficiente. Não é uma perna que vai me impedir de fazer nada não. Eu vou lá, faço e acabou”, ensina com a consciência de que ao nadar contra a correnteza está dando uma lição a todos.