A maioria das pessoas, inclusive as com deficiência, muitas vezes utilizam termos conceitualmente inadequados para designar pessoas que possuem alguma deficiência.
Alguns desses termos, que um dia já foram oficiais, como "deficientes", pessoas deficientes", "portadoras de deficiência" ou "portadoras de necessidades especiais", persistem no tempo, na memória coletiva, sendo muitas vezes preservados e reafirmados pelos títulos de entidades civis e governamentais que não têm como se livrar de burocracias oficiais para atualizarem seus nomes. Um exemplo disso é a Associação de Assistência à Criança Defeituosa - AACD, hoje denominada Associação de Assistência à Criança Deficiente. Outro exemplo é o da própria CORDE como "Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência" que, após 20 anos com esse nome, recentemente passou de coordenadoria para o status de subsecretaria como Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, dessa vez, porém, sendo um bom exemplo de atualização.
Para a jornalista Maria Isabel da Silva, em seu artigo "Por que a terminologia 'pessoas com deficiência'?", os termos utilizados possuem importância porque "Na maioria das vezes, desconhece-se que o uso de determinada terminologia pode reforçar a segregação e a exclusão.(...) e (...) "Além disso, quando se rotula alguém como "portador de deficiência", nota-se que a deficiência passa a ser "a marca" principal da pessoa, em detrimento de sua condição humana".
Segundo Romeu Kasumi Sassaki, "a tendência é no sentido de parar de dizer ou escrever a palavra "portadora" (como substantivo e como adjetivo). A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo "portar" como o substantivo ou o adjetivo "portadora" não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa. Por exemplo, não dizemos e nem escrevemos que uma certa pessoa é portadora de olhos verdes ou pele morena.". (livro Vida Independente: história, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos. São Paulo: RNR, 2003, p. 12-16).
No histórico que Maria Isabel da Silva menciona em seu artigo, percebe-se que a terminologia foi se amoldando à sua época: "Até a década de 1980, a sociedade utilizava termos como "excepcional", "aleijado", "defeituoso", "incapacitado", "inválido"... Passou-se a utilizar o termo "deficientes", por influência do Ano Internacional e da Década das Pessoas Deficientes, estabelecido pela ONU, apenas a partir de 1981. Em meados dos anos 80, entraram em uso as expressões "pessoa portadora de deficiência" e "portadores de deficiência". Por volta da metade da década de 1990, a terminologia utilizada passou a ser "pessoas com deficiência", que permanece até hoje."
Alguns argumentos são repetidos entre pessoas com deficiência a respeito das inúmeras designações atribuídas a elas, como a de que "deficiente" não se remete à deficiência que se tem, mas à qualidade de não ser eficiente.; que "pessoa deficiente" acentua uma qualidade de ineficiência na pessoa; que, caso se portasse uma deficiência, poderia-se deixá-la em casa e partir sem ela e que, assim, não se porta ou não uma deficiência, tem-se uma deficiência; que "portadores de necessidades especiais", após tanta luta pela igualdade na diferença, que ser "especial" exclui a pessoa do todo, da igualdade, remetendo-se somente à diferença. Por outro lado, "pessoa com deficiência" reproduz uma verdade, que é a de se ter uma deficiência, aliada ao fato de que essa deficiência é de uma pessoa. Dessa forma, pessoas com deficiência, alunos com deficiência, trabalhadores com deficiência é o que vem sendo utilizado por pessoas que se interessam pelo assunto e pelo conceito.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembléia da ONU em 2006, assinada pelo Brasil e outros cerca de 80 países em 2007 e ratificada em 2008 pelo Congresso Nacional, foi criada por governos, instituições civis e pessoas com deficiência de todo o mundo e acabou por oficializar o termo "pessoas com deficiência" em seu próprio título, além de o reafirmar em todos os seus artigos, especialmente no artigo de número 1:
O propósito da presente Convenção é o de promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente dignidade.
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
Esse texto procura incentivar o uso da terminologia correta, oficial e proposta pelas próprias pessoas com deficiência que colaboraram na construção desse fantástico tratado de Direitos Humanos que é a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e que, aos poucos, vai se espalhando pelo mundo.
Em geral, a pessoa com deficiência, que é caracterizada por sua fragilidade e não por suas qualidades, vai conseguindo se mostrar a todos, antes por ser pessoa do que por possuir uma deficiência. Entretanto este é um processo de lenta assimilação, onde a linguagem possui o seu papel de reveladora de conceitos, mitos, evolução e transformação. Dessa forma, o termo "pessoas com deficiência" está, nesse momento, revelando-se como um ponto da história em que pessoas que têm deficiências se integram à sociedade e esta as inclui.
Assim, Maria Isabel da Silva, em seu artigo em que este texto foi baseado, expressa o papel da linguagem no revelar do olhar da sociedade sobre as pessoas com deficiência: " A construção de uma verdadeira sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem. Na linguagem se expressa, voluntária ou involuntariamente, o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiência. Por isso, vamos sempre nos lembrar que a pessoa com deficiência antes de ter deficiência é, acima de tudo e simplesmente: pessoa."