Flávio de Marco tinha 20 anos quando fraturou a sexta vértebra cervical em um acidente de carro e ficou totalmente paralisado do pescoço para baixo
A vida do gaúcho Flávio de Marco mudou no dia em que ele completou 20 anos. Depois da festa, na casa da família em Pelotas (RS), entrou no banco traseiro do carro para levar uma amiga em casa. Surfista, nem havia bebido, mas o motorista do carro, sim.
- Estávamos a120Km/h quando ele perdeu o controle ao fazer uma curva, derrubou um poste e o muro. Estava sem cinto de segurança e lesionei a coluna – contou.
Depois de raio-x e tomografia, o diagnóstico apontou duas fraturas na sexta vértebra cervical, com lesão da medula. Flávio estava paralisado do pescoço para baixo, e a previsão dos médicos era de que continuasse assim.
- Eu não sabia da minha situação e falava para todos que, no próximo verão, estaria surfando e faria coisas que nunca havia feito antes. Meus amigos e familiares saíam do quarto para não chorar na minha frente.
Após um mês, teve alta hospitalar, mas percebeu que as dificuldades estavam apenas começando. Deitado, sofria com as escaras – feridas que surgem nas partes do corpo em contato com o colchão – e mais ainda mais com o colar de gesso colocado sobre elas. Com autorização do médico, o gesso foi trocado por um aparelho de metal e só depois por um colar de espuma que, finalmente, trouxe algum alívio.
“Minha mãe estava me dando almoço, quando o telefone tocou e ela foi atender. Sentado, diante do prato e sem poder pegar os talheres, vi meu mundo desabar” Flávio de Marco
A fisioterapia intensiva começava a dar resultado, e Flávio pôde se sentar em uma cadeira de rodas. Psicologicamente, foi o momento mais difícil.
- Minha mãe estava me dando almoço, quando o telefone tocou e ela foi atender. Sentado, diante do prato e sem poder pegar os talheres, vi meu mundo desabar.
As mãos doíam como se estivessem congeladas, o cotovelo permitia uma ligeira flexão e a sensibilidade nas pernas aparecia aos poucos – sinais de que a medula começava a desinchar. Com muita dedicação à fisioterapia, trocou a cadeira de rodas por uma de escritório, com rodinhas, que conseguia movimentar empurrando para trás, com o pé direito.
- Dois meses depois do acidente consegui ficar em pé com auxílio, e logo em seguida comecei a me erguer sozinho. Com quatro meses estava dando os primeiros passos bem lentamente, com cinco meses já estava caminhando, apesar da falta de força na perna direita. Levei oito meses para ficar como estou hoje.
As sequelas definitivas foram na mão esquerda, um pouco atrofiada, e na perna direita, que não tem sensibilidade superficial e sofre espasmos em dias frios ou depois de muito tempo sentado.
- Já me queimei de fazer bolha no pé, por não sentir se a água está fria ou quente, tenho dores nas juntas, e deficiência de velocidade motora nas mãos, além de perder massa muscular muito rapidamente. Mas, como havia prometido, hoje faço coisas que não fazia antes do acidente.
Aos 41 anos, o vendedor de equipamentos de segurança tem no currículo corridas de rua de até 42km, incluindo uma meia-maratona em 1h32m. Disputa provas de canoagem, ciclismo, corrida de montanha e de aventura, como a Multisports Brasil – com 95km entre trilhas, mountain bike e caiaque – em que foi terceiro colocado na categoria elite. Colocou como meta disputar o Ironman em 2013, e conseguiu, ao lado da esposa Andreia, depois de seis meses de treinos intensos.
- Eu não sabia nadar direito e tive que treinar sete dias por semana para encarar esse desafio. Na prova, meu ombro saiu do lugar em um choque na água e demorei cinco minutos para conseguir colocá-lo de volta. Fiz um ciclismo de recuperação, pedalando 180km em 5h58m, e completei os 42km de corrida em 3h54, minha melhor maratona.
Flávio cruzou a linha de chegada aplaudido, em 11 horas 40 minutos ao lado do pai, de 80 anos, quem tem prótese óssea nos dois quadris. E contou parte dessa história em uma matéria sobre o acidente da esquiadora e ex-ginasta Lais Souza, que teve deslocamento entre a terceira e a quarta vértebras, esmagando a medula, e luta para recuperar os movimentos do pescoço para baixo.
- Ainda não dá pra saber se a lesão dela foi mais grave do que a minha, mas o importante é que ela jamais deixe de acreditar e lutar. Se eu desistisse, não teria feito nada.
Fonte: Eu Atleta