Entre janeiro e novembro foram registradas 14.901 internações. Patamar, considerado elevado, se mantém semelhante ao de 2020
Sangue, barulho, assalto, "vou morrer". A sequência de palavras ajuda a psicóloga Vitória Bernardes, de 36 anos, a traduzir o desespero e a descrever o choque provocado pela bala perdida que a atingiu no pescoço, em frente a um pequeno comércio na cidade de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, aos 16 anos. “Eu caí no chão e aos poucos fui processando a informação que tinha levado um tiro. Comecei a sentir o sangue saindo da minha boca. Foi aquela coisa de filme: pensei que ia morrer”, disse.
Daquele momento em diante, familiares de Vitória correram para resgatá-la e tentar salvar a vida da jovem nos hospitais do estado. Um levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz, a pedido do R7, revelou que, no ano passado, armas de fogo foram responsáveis por 14.901 internações em decorrência das lesões, o que corresponde a um custo de R$ 33,3 milhões para a saúde pública no país. Por trás dos números, considerados elevados por especialistas, há uma série de gastos e consequências impossíveis de ser dimensionados. “Me tornei uma mulher tetraplégica”, diz Vitória.
Ela, que atualmente integra a Rede Desarma Brasil, conta que desde que terminou as sessões de reabilitação teve de sair de seu apartamento para viver numa casa alugada sem escadas. “As pessoas hospitalizadas com lesões acabam se tornando pessoas com deficiência. Quem vivia em condições de pobreza passa a enfrentar uma precariedade ainda maior ao perder o emprego em um sistema excludente.”
Os números, disponibilizados pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIH), do Datasus, mostram os registros até novembro. Mas uma estimativa que considera o valor de dezembro com base na média de internações por mês, mostra que em todo o ano ocorreram aproximadamente 16,2 mil internações de feridos por arma de fogo — número superior aos 16.184 no ano passado.
Os dados revelam que, entre os meses de janeiro e novembro do ano passado, as internações causadas por lesões custaram ao sistema de saúde R$ 33,3 milhões. Nesse mesmo período de 2020, o custo foi de R$ 32,8 milhões. “Nesses anos os registros se mantiveram em um patamar muito similar. Isso porque em 2018 e 2019 houve uma queda nas internações acompanhando a diminuição das mortes violentas no país. Já em 2020, essas mortes voltaram a subir e 2021 manteve esse patamar um pouco mais elevado”, explica Carolina Ricardo, diretora do Sou da Paz. “A principal hipótese para a curva das lesões é que elas acompanhem a mortalidade por arma de fogo."
Segundo o estudo, houve queda no número de internações de alta letalidade, por traumatismos e lesões mais graves, e um leve aumento no de baixa letalidade. “Precisamos discutir o que entra nesse custo. Esses dados são subdimensionados, uma vez que estados e municípios colocam recursos próprios, além dos que são ressarcidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde)”, diz Carolina.
A professora e coordenadora do Grupo de Trabalho Violência e Saúde da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Edinilsa Ramos, ressalta que os dados referentes às internações hospitalares são apenas “a ponta do iceberg”. O fluxo de atendimento do SUS começa pela atenção básica. “Quando não são casos graves são atendidos nas unidades básicas, nos casos de média gravidade são encaminhados às policlínicas”, explica ela, que também é pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz.