Fratura de coluna vertebral torácica com perfuração esofágica e abscesso epidural em acidente automobilístico

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Por:
Marcelo Wajchenberg, Delio Eulálio Martins Filho
Médico assistente do Grupo de Coluna Vertebral do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP/EPM.
João Paulo Freire Martins de Moura
Residente do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP/EPM.
José Ernesto Succi
Professor assistente da Disciplina de Cirurgia Torácica do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP/EPM.
Eduardo Barros Puertas
Professor livre-docente e chefe do Grupo de Coluna Vertebral do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP/EPM.

Resumo
Objetivo: Apresentar e discutir a ocorrência de perfuração esofágica e formação de abscesso epidural relacionada à fratura da coluna vertebral dorsal. Métodos: Apresentamos uma paciente de 72 anos de idade, que dirigia seu carro e sofreu um acidente automobilístico, com colisão frontal em março de 2006. A paciente foi admitida na sala de emergência consciente e sem alterações neurológicas, com fratura do terço proximal da tíbia, fratura vertebrais em T2, T3 e T4. Neste último nível se notava um discreto achatamento, além de uma pequena espícula óssea na região anterior da vértebra T2. No terceiro dia de hospitalização a paciente manifestou dificuldade para deglutição e alterações sensitivas e motoras nos membros, principalmente no membro inferior direito. Realizaram-se exames que constataram a perfuração esofágica, com mediastinite e formação de abscesso epidural. A paciente foi submetida à toracotomia para tratamento da lesão esofágica e limpeza cirúrgica, optando-se pelo tratamento conservador do abscesso vertebral com antibioticoterapia. Resultado: A paciente teve recuperação progressiva do quadro infeccioso e neurológico e seis meses depois foi realizada cirurgia para restituição do trânsito esofágico. Atualmente a paciente consegue deambular com uma órtese para manter a extensão do pé direito, que tem força grau 2. Conclusão: Muitos autores relatam a dificuldade para o diagnóstico precoce da perfuração do esôfago, devido à pobreza de manifestações clínicas iniciais. Este fator pode prejudicar a sobrevida do paciente, principalmente se o tratamento ocorrer 24 horas após a lesão.
Introdução
A lesão da porção torácica do esôfago é rara nos traumas fechados do tórax. Os prováveis mecanismos de trauma relacionados são a compressão do esôfago entre o esterno e a coluna vertebral, tração relacionada à hiperextensão da coluna vertebral cervical, diminuição da perfusão local com posterior necrose segmentar, aumento da pressão intraluminal relacionada à compressão torácica e perfuração direta por fragmentos ósseos da coluna vertebral.
Apresentamos o relato de uma paciente vítima de acidente automobilístico, que se apresentou com fratura da quarta vértebra torácica associada à perfuração simultânea de esôfago que evoluiu com mediastinite e abscesso epidural com lesão neurológica, havendo recuperação após antibioticoterapia, sem necessidade de abordagem cirúrgica da coluna vertebral.

Figura 1 – Imagem axial de tomografia computadorizada mostrando fratura de T3 e de seu processo transverso.
Figura 2 – Imagem sagital de tomografia computadorizada mostrando fratura nas vértebras T2, T3 e T4.

Descrição do caso clínico
Paciente de 72 anos condutora de veículo, vítima de acidente com impacto frontal em março de 2006. Deu entrada consciente, sem qualquer alteração neurológica no pronto atendimento com fratura fechada de terço proximal de tíbia. A paciente estava com desconforto respiratório, observando-se múltiplas fraturas de arcos costais. Tomografia computadorizada de tórax revelou fraturas nas regiões anteriores do terceiro ao sétimo arcos costais à direita e do quarto ao sexto arcos costais à esquerda, além de moderado pneumotórax a esquerda, sem pneumomediastino, que foi drenado, propiciando melhora do desconforto respiratório.
Tomografia computadorizada de coluna vertebral cervical e dorsal evidenciou fraturas nos processos transversos de T2 e T3 (Figura 1) e discreta diminuição na altura de T4, com pequena espícula óssea anterior do corpo de T2 (Figura 2), sem nenhum sinal de instabilidade e compressão neural. A paciente foi internada e mantida sob observação. No terceiro dia de internação a paciente se queixou de dificuldade para deglutir e alteração de sensibilidade nos membros inferiores, mais intensa no membro inferior direito. Feita ressonância magnética de coluna vertebral cervical e dorsal que revelou um processo inflamatório perivertebral anterior à esquerda e à direita, estendendo-se desde C7 até o nível de T5, com áreas sugestivas de bolhas gasosas e coleção epidural anterior mediana e lateralizada à esquerda, estendendo-se desde o nível de T1 até T5, determinando impressão sobre o saco dural e medula espinhal, principalmente no segmento de T1 a T3, notando-se áreas de edema centro-medular de C7 até T3 (Figuras 3 e 4).
Figura 3 – Imagem sagital de ressonância magnética (ponderada em T2) mostrando fratura de T2 e presença de gás epidural posterior aos corpos vertebrais de T1 e T2.

Figura 4 – Imagem axial de ressonância magnética (ponderada em T2) mostrando fratura de T2 e presença de gás epidural e processo inflamatório perivertebral anterior.

Figura 5 – Imagem sagital de tomografia computadorizada mostrando gás epidural na fratura de T2, passando através do foco de fratura.

Figura 6 – Imagem axial de tomografia computadorizada mostrando gás passando através do foco de fratura.

Nova tomografia foi realizada evidenciando presença de gás epidural na fratura de T2 passando através do foco de fratura (Figuras 5 e 6). Com este exame e a piora clínica da paciente foi indicada endoscopia digestiva alta que evidenciou lesões puntiformes no esôfago (Figura 7). A broncoscopia não demonstrou lesões significativas.
Com o diagnóstico de perfuração esofágica complicada por mediastinite indicou-se toracotomia bilateral, notando-se durante o procedimento a perfuração do esôfago próximo à espícula óssea derivada do corpo vertebral de T2. Realizou-se ampla drenagem e limpeza mediastinal bilateral com exclusão do ferimento por meio de esofagostomia cervical e ligadura do cárdia, além de gastrostomia descompressiva e jejunostomia. Após a cirurgia a paciente foi encaminhada a UTI, permanecendo sedada com uso de antibioticoterapia e tratamento do sepse. Após dois dias a paciente apresentava fraqueza em ambos os membros inferiores, principalmente à direita, com preservação da sensibilidade. Notava-se também discreta fraqueza no membro superior direito, referente aonível C7. Foram realizados exames neurofisiológicos que indicaram preservação dos impulsos neurais. Optou-se pelo tratamento clínico, com antibioticoterapia e fisioterapia motora e respiratória. Evoluiu bem da parte infecciosa, recuperando-se do sepse e da mediastinite.

Figura 7 – Endoscopia digestiva alta evidenciando lesões ulcerativas no esôfago.
Figura 9 – Imagem axial de ressonância magnética (com contraste) mostrando áreas de densificação da gordura mediastinal posterior no esôfago e traqueia, assim como pequenas coleções pleurais paravertebrais no nível de T3.


Figura 8 – Imagem sagital de ressonância magnética (com contraste) mostrando extensa coleção no espaço epidural anterior, estendendo-se desde o C6 até T12, compatível com empiema epidural.
Após 24 dias da cirurgia foi realizada nova ressonância magnética da coluna vertebral que evidenciou extensa coleção no espaço epidural anterior, estendendo-se de C6 até T12, compatível com empiema epidural causando compressão anterior sobre o saco dural, deslocando-o posteriormente e comprimindo toda a medula espinhal torácica. Observaram-se também áreas de densificação da gordura mediastinal posterior no esôfago e traqueia, assim como pequenas coleções pleurais paravertebrais no nível de T3 a T4. Em comparação com o exame anterior houve uma significativa acentuação do processo inflamatório intrarraquiano (Figuras 8 e 9). No terceiro dia apresentou convulsão tônico clônica com exame de ressonância magnética de crânio revelando importante hidrocefalia. Apresentou progressiva melhora neurológica central e periférica após implante de derivação liquórica obtendo alta hospitalar após 90 dias para cuidados de home-care.
Após seis meses (dezembro de 2006) foi submetida à esofagectomia torácica e reconstrução do trânsito com anastomose esôfago gástrica na região cervical, com boa evolução e praticamente sem sequelas neurológicas. Apresentava marcha independente, com uso de órtese para extensão do pé direito que revelava força grau 2 para extensão.

Discussão
A perfuração do esôfago decorrente de trauma torácico fechado é muito rara(1). Este tipo de lesão é mais comum relacionada a trauma da coluna cervical(1,2). Acidentes automobilísticos em alta velocidade estão relacionados à gravidade do trauma fechado do tórax(2,3). O mecanismo de lesão está associado à flexão e hiperextensão da coluna vertebral(1,3), associado à lesão do ligamento longitudinal anterior com avulsão de fragmento ósseo que por apresentar aspecto “em ponta”, pode perfurar o esôfago, conforme ilustrado por Brouwers e cols.(4).
As lesões esofágicas mais observadas no trauma fechado do tórax são as perfurações ou rupturas(3) e os achados clínicos mais frequentes são dor cervical e dorsal, dispneia, tosse e crepitação ao exame físico, podendo ser diagnosticado também pneumotórax(3,5). Inicialmente a paciente apresentada tinha um pneumotórax de intensidade moderada no hemitórax esquerdo que foi relacionado ao trauma e às múltiplas fraturas costais, não havendo inicialmente a suspeita de lesão esofágica, pois não havia pneumomediastino. A investigação da lesão esofágica ocorreu somente no terceiro dia após o trauma, quando apareceu disfagia seguida de quadro séptico e a ressonância magnética revelou a presença de gás penetrando pelo traço de fratura na coluna vertebral dorsal.
Figura 10 – Imagem sagital de ressonância magnética (com contraste) mostrando reabsorção praticamente completa da coleção epidural anterior, restando apenas uma pequena lâmina de líquido no nível de T2-T3.



Figura 11 – Imagem axial de ressonância magnética (com contraste) mostrando melhora significativa da amplitude do canal vertebral, assim como reabsorção das coleções paravertebrais.
Vários autores(1-6) relatam a dificuldade no diagnóstico precoce da perfuração esofágica, devido à baixa especificidade dos sintomas. Este fator poderia ter prejudicado no tratamento da referida paciente, pois nestes casos a chance de sobrevida dos pacientes é maior se o diagnóstico e tratamento forem realizados em até 24 horas da lesão(6).
No caso clínico descrito houve a formação de abscesso epidural, devido à penetração do conteúdo esofágico para o canal vertebral através da vértebra torácica fraturada. Este mecanismo de contaminação foi demonstrado, por meio da ressonância magnética e tomografia computadorizada, que evidenciaram a presença de conteúdo gasoso, derivado do esôfago, no canal vertebral. Chen e cols. questionaram a possibilidade da formação de abscesso epidural relacionado à perfuração do esôfago em um paciente com fratura em T1, que havia sofrido um acidente de motocicleta (1). Segundo Korovesis e cols.(7), as principais causas da formação de abscesso no espaço epidural são presença de hematoma no local em decorrência do trauma que poderia ser contaminado por via hematogênica de um foco infeccioso das vias aéreas superiores, aparelho respiratório, trato urinário, abscesso no músculo psoas ou de escaras de decúbito na região sacral(7).
O tratamento da mediastinite consistiu na limpeza e drenagem ampla bilateral do mediastino e na exclusão do ferimento esofágico através de esofagostomia cervical e ligadura do cárdia. Evitou-se abordagem direta do ferimento devido a presença de importante quadro infeccioso e mediastinite.
O tratamento clínico incluiu a utilização de antibióticos de amplo espectro, uso de proteína C humana recombinante, descompressão gástrica e suporte nutricional adequado. A opção de realizar apenas drenagem local, exclusão do esôfago ou ressecção com esofagostomia cervical é dependente da localização e extensão da lesão, do grau da contaminação da pleura e do mediastino, das lesões associadas e das condições do paciente(5).
Em relação ao tratamento da fratura da coluna dorsal se optou pelo tratamento conservador, pois a lesão foi considerada estável segundo os critérios de Denis, conforme relatado por Chen e cols (2). Devido a grande extensão do abscesso epidural (C6 a T12) e estabilidade do quadro neurológico da paciente optamos, contrariamente à literatura(1,7), pela manutenção do tratamento clínico, com uso de antibióticos e fisioterapia.
A paciente permaneceu internada por três meses, sendo que ao final deste período apresentou completa recuperação da força no membro superior direito e membro inferior esquerdo, permanecendo com força grau 1 para extensão do pé direito. Foi realizada nova ressonância magnética que mostrou reabsorção praticamente completa da coleção epidural anterior, restando apenas uma pequena lâmina de líquido no nível de T2-T3, com melhora significativa da amplitude do canal vertebral, assim como da alteração de sinal da medula espinhal (Figuras 10 e 11).

Bibliografia
1. Chen HC, Tzaan WC, Chen TY, Tu PH. Esophageal perforation complicating with spinal epidural abscess, iatrogenic or secondary to first thoracic spine fracture? Acta Neurochir (Wien) 2005 147: 431-434.
2. Chen SH, Huang TJ, Chen YJ, Liu HP, Hsu RWW. Flexion-diatraction injury of the upper thoracic spine associated with tracheoesophageal perforation. J Bone Joint Surg 2002 84: 1028-1031.
3. Chiu WC, Rodriguez A, Greif WM, Joseph-Herbert JH, Gammaitoni CJ. Entrapment and obstruction of the esophagus from thoracic spine hyperextension-dislocation injury. J trauma 1999 46: 959-961.
4. Brouwers MAM, Veldhuis EFM, Zimmerman KW. Fracture of the thoracic spine with paralysis and esophageal perforation.
5. Monzon JR, Ryan B. Thoracic esophageal perforation secondary to blunt trauma. J trauma 2000 49: 1129-1131.
6. Maroney MJ, Mirvis SE, Shanmuganathan K. Esophageal oclusion caused by thoracic spine fracture or dislocation: CT diagnosis. Am J Radiol 1996 167: 714-715.
7. Korovesis P, Sidiropoulos P, Piperos G, Karagiannis A. Spinal Epidural abscess complicated closed vertebral fracture. Spine 1993 18: 671-674. 
Fonte: CiberSaude
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Wilson Faustino

Wilson Faustino 43 anos casado, cadeirante empreendedor, trabalho com marketing e vendas diretas e virtuais. Atuando também como afiliado em plataformas como Hotmart, Eduzz, Monetizze e Lomadee. Trago todo o meu conhecimento para ajudar aqueles que pretendem trabalhar do conforto da sua casa e conquistar a independência financeira e geográfica.

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