“Há exatos um mês e uma semana, olho para ela e penso em como é bom sonhar e ter com quem compartilhar”, diz a paulistana Ana Paula Verdovatto Bozolan, de 32 anos, ao mencionar o nascimento da filha, Liz. A afirmação em nada tem de diferente de outra mãe de primeira viagem se não fosse o contexto. É que Ana Paula, que reside desde a infância em Boituva, na região sorocabana, é cadeirante há 13 anos. Vítima de um acidente de carro que ocorreu na estrada entre Capivari e Tietê, ela sofreu lesão espinhal na T10 – vértebra próximo da lombar -, o que lhe impede, desde então, de andar ou ter sensibilidade na linha abaixo do umbigo.
Fato que, por várias ocasiões, lhe deixaram com medo quanto às incertezas que rondam a vida de um paraplégico. É que, se ser mãe já é uma experiência inigualável, que passeia por dificuldades e pelas maravilhas, imaginem só ser mãe cadeirante. As possibilidades de complicação na gestação e em como acompanhar o desenvolvimento da criança de forma limitada são algumas das dúvidas que rondam a cabeça, e o coração, destas mulheres que reinam sobre duas rodas, mas que, a cada dia, ganham mais coragem e espaço na sociedade para enfrentar desde preconceitos até leis inconvenientes.
Na verdade, trata-se de uma população quase invisível. Depois de anos sem discriminá-los de fato nos Censos realizados, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) enfim detalhou em 2010: cerca de 45 milhões de brasileiros (23,9% da população) têm algum tipo de deficiência; sendo os cidadãos com deficiência motora 13,2 milhões de pessoas, o que equivale a 7% dos brasileiros. Ainda não há detalhamento de gênero, ou seja, não se sabem quantos são mulheres e suas idades. Mas sabe-se que é uma população que também namora, casa e tem filhos, apesar das dificuldades físicas, sociais e culturais.
É o caso de Ana Paula, que apesar do diagnóstico irreversível, se manteve otimista. “No começo eu me animei, acreditei nas possibilidades. Depois de um tempo, aceitei e fui cuidar da minha vida”, diz ela que é professora concursada da rede pública de ensino fundamental, formada em pedagogia e pós-graduada em psicopedagogia. Como se não bastasse, ela também deu voz ao coração. Conheceu há 8 anos Thiago Dias Cardoso, hoje com 26 anos, e com quem se casou há 4. “Estávamos numa festa e ele veio conversar. No início achei estranho, mas depois não deu para controlar”, assume. E como muitos casais, chegou um momento em que ambos começaram a desejar filhos.
Ela conta que foi um ano e meio de tentativas. “Procuramos um ginecologista que aceitou nos acompanhar e fizemos vários exames. Tudo estava normal, mas eu não engravidava. Combinamos então que após um ano e meio, tentaríamos inseminação artificial. Porém, antes disso, quando desistimos das formas naturais, descobri que estava grávida”, diz ela em tom de comemoração. Mas não foi um mar de rosas, é claro. A mãe cadeirante também precisa de acompanhamento e pré-natal específico. “Ninguém passa ileso por um acidente. Uma das coisas que se aprende é viver um dia de cada vez”, ensina a mãe dela, dona Ivone Bozolan, de 67 anos.
Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul