Se olharmos superficialmente os avanços nos quesitos de inclusão social e acessibilidade, podemos afirmar que, nos últimos anos, a qualidade de vida dos cadeirantes melhorou significativamente.
De fato, hoje, em qualquer lugar que eu vá, eu encontrarei guias rebaixadas, rampas de acesso e banheiros adaptados, o que não acontecia há cinco anos, por exemplo. Mas a pergunta que eu faço é: será que rampas, guias e banheiros são os únicos benefícios que um cadeirante necessita para ter uma vida digna e satisfatória? Obviamente não.
É curioso como a maioria das pessoas, inclusive alguns cadeirantes, se limita a pensar que nossos problemas se resumem apenas à dificuldade de locomoção e mobilidade.
Mas, na realidade, não é que pensam que nossos problemas são limitados. O fato é que a sociedade, de modo geral, ainda enxerga o cadeirante apenas como alguém com limitações físicas, totalmente dependente de ajuda e piedade de terceiros. E o mais grave: incapaz de ter uma vida profissional, social e afetiva de forma plena.
Mesmo inconscientemente, é difícil para a sociedade entender que uma pessoa com limitações físicas é intelectualmente capaz e possui inteligência suficiente para exercer cargos profissionais de altos níveis hierárquicos, de responsabilidade e influência.
Um exemplo da dificuldade de enxergarem o cadeirante como um profissional de “alto nível” são as vagas oferecidas – na maioria das empresas – pela lei de cotas para deficientes. A lei 8213/91 obriga toda companhia com mais de cem funcionários a reservar de 2% a 5% de suas vagas a pessoas com deficiência.
A lei deveria ser excelente para nós, porém, a obrigação se limita ao preenchimento do quadro empregatício com deficientes, mas não especifica a quais cargos. Desta forma, a maioria das empresas busca apenas cumprir a lei e não faz uma inclusão real.
90% das vagas oferecidas são só para cargos operacionais, cuja exigência intelectual e acadêmica é quase nula. Assim, eu, um cadeirante graduado e pós-graduando, estou cansado de receber oportunidades como faxineiro, ascensorista ou empacotador, sem desrespeito a essas profissões. Para piorar, eu invariavelmente sou cortado de seleções de não cadeirantes justamente por ser cadeirante e já ter “a vantagem” da cota.
Mas essa dificuldade da sociedade em enxergar o cadeirante como profissional capaz é certamente apenas o reflexo da visão geral que predomina no consciente coletivo, em que somos vistos como serem inferiores e incapazes.
Chega a ser constrangedor o fato das pessoas me olharem com um misto de admiração e espanto cada vez que eu vou a um bar ou a uma boate, por exemplo. Invariavelmente, eu ouço “parabéns! Você é um exemplo por estar aqui se divertindo”.
Qual a excepcionalidade no fato de um cadeirante ter vida social? Por que o fato de eu ter uma vida normal me faz tão superior se eu sou igual todos e apenas não ando?
Na realidade o fato de me julgarem tão superior mascara o fato de que na verdade me julgam inferior. Este paradoxo pode ser comprovado pela dificuldade de enxergarem o cadeirante como um homem. Homem no sentido afetivo, inclusive. Sabem quantos motéis acessíveis existem na cidade de São Paulo? Um e com apenas uma suíte acessível.
As limitações físicas que eu tenho são irrelevantes perto das limitações que a sociedade me impõe por me achar incapaz e inferior. Eu preciso de algo muito mais importante que rampas para ter uma vida digna: eu preciso de respeito!
Fonte: UOL Notícias / Opinião