Para um portador de doença crônica, em situação estável e de alta hospitalar, não há dúvida de que o melhor local para receber cuidados é em casa, ao lado da família. Mas, o que fazer quando a própria família se recusa a receber um paciente nessa condição? Esse drama sem resposta já acompanha há mais de um ano Rosa da Costa Araújo, de 34 anos. Ela é paraplégica e no dia 23 de novembro do ano passado completou um ano desde que deu entrada no Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), para tratar de uma infecção urinária e uma pneumonia. Dias depois, quando recebeu alta, a única irmã de Rosa que compareceu ao hospital se recusou a levá-la para casa, alegando que não tinha condições financeiras, nem emocionais, de cuidar de uma irmã que não pode andar. Desde então, e já se vão mais de 400 dias, Rosa sonha em voltar para a família, que reside em Belém, no bairro da Cremação.
Com a grave limitação de leitos para internação hospitalar no Pará, a longa permanência da paciente Rosa, que não tem data para deixar o Barros Barreto, tem prejudicado o atendimento a outros pacientes. Seus exatos 428 dias internada, considerando a média de internação de 12 dias no setor que ela ocupa, teriam atendido a outros 35 pacientes nesse período. Além disso, a saúde de Rosa também corre perigo. Desde a primeira vez em que ficou em condições de alta, ela já pegou várias infecções hospitalares e foi tratada dentro do hospital. A comprovação está no prontuário de Rosa de todo esse período, que já acumula três volumes e totaliza mais de 400 páginas.
Tentativas
A área de assistência social e a direção do Barros Barreto já tomaram todas as medidas administrativas cabíveis e possíveis para resolver o problema. Junto com a irmã de Rosa, já foram chamados em reunião no Hospital desde a Fundação Papa João XXIII até a Promotoria de Saúde do Ministério Público Estadual. Apesar de todos os registros documentados em atas, nenhuma medida para resolver o impasse foi tomada pelos órgãos de assistência social de Belém.
Como não pode colocar a paciente na rua, resta agora ao hospital tomar medidas judiciais para que a família e os órgão de assistência social de Belém tomem as medidas de acolhimento necessárias para a liberação do leito no hospital. “Depois que cumprimos a nossa missão hospitalar, nós também tomamos todas as medidas sociais possíveis, e temos todos esses registros em atas. Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para que a paciente fosse recebida pela família. O que não é mais possível ao hospital Barros Barreto é continuar assumindo um papel de hotelaria que não lhe cabe, que gera prejuízos e, acima de tudo, que coloca em risco a vida dessa paciente, que já é fragilizada por diversos problemas crônicos de saúde”, esclarece a médica Fátima Pinheiro, vice-diretora do Barros Barreto.
Em maio do ano passado, quando a paciente estava abandonada no Barros Barreto há seis meses, as áreas social e jurídica do hospital, com apoio do MPE, conseguiram reunir a irmã de Rosa, com a psicóloga da Funpapa, Graciete Souza e o corpo clínico e multidisciplinar do Barros Barreto. No relatório social assinado pelas assistentes sociais Soraya Galvão e Sônia Guedes, que acompanharam o caso, a irmã de Rosa reafirma que “não tem condições financeiras e emocionais de cuidar dela”, e que também não havia reconstruído a casa, destruída meses antes por um incêndio. Foi oferecido à família o encaminhamento para o receber o cheque moradia para a reconstrução da residência, além de uma cadeira de rodas para Rosa, que também passaria a receber o benefício da Previdência Social por ser deficiente física. A irmã registrou em ata que iria pensar na proposta até a reunião seguinte, marcada meses depois, mas não levou Rosa para casa.
Além de propor todas essas alternativas, a Funpapa registrou que “não possui suporte físico, espaço adequado e nem profissionais para receber e cuidar de paciente paraplégico”. Na outra reunião, três meses depois, também com participação do Ministério Público, foram novamente confirmados os benefícios aos quais a paciente tem direito, e mais uma vez a resposta da irmão de Rosa foi de que não poderia receber e cuidar da própria irmã, que ficou paraplégica quatro meses antes da internação, após ser alvejada com um tiro. A família alega que na ocasião Rosa seria usuária de drogas, e que o tiro provavelmente teria sido por ordem de traficantes, assim como o incêndio que atingiu sua casa.
A triste moradora da enfermaria 523-B
Há mais de um ano Rosa da Costa Araújo é conhecida muito mais como moradora da enfermaria 523-B do que como paciente do Hospital Barros Barreto. Pela longa permanência e graças à solidariedade da área social e de acompanhantes de outros pacientes, ela tem recebido material para fazer bonecas artesanais, uma de suas distrações, além de trabalhos manuais em crochê. Rosa também já ganhou televisão e DVD para ajudar a passar o tempo.
Nada disso, porém, substitui a sua vontade de voltar para casa. Ao falar do assunto, ela é tomada pela emoção. “Quero muito voltar para minha casa, quero um dia também poder rever minha família”, diz Rosa, após longa pausa e muita emoção. Rosa admite que depois que perdeu os pais teve três filhos e foi usuária de drogas, os dois filhos mais velhos foram adotados por uma amiga e por uma tia. A menina mais nova, nascida em 2012, foi entregue direto da maternidade a um abrigo, para adoção.
Foi também no início de 2012 que ela teve a casa incendiada. Sem apoio dos irmãos, passou a viver em um estacionamento na avenida Nazaré, centro de Belém, onde vendia bombons.
No dia 8 de outubro daquele ano foi atingida com três tiros e cuidada no pronto-socorro do Guamá. No dia da alta, recebeu a notícia de que não andaria mais por causa de um projétil que ficou alojado em sua coluna, deixando-a paraplégica.
Rosa, no entanto, garante que as drogas ficaram para trás, e tudo o que ela precisa agora é de um lar.
Nesse tempo de internação, Rosa, que não tinha nenhum documento, se tornou cidadã, recebeu cadeira de rodas e já possui todos os documentos para ser inserida no benefício de Prestação Continuada, assegurado pela Lei Orgânica da Assistência Social. Porém, a legislação ainda exige que ela tenha um endereço fixo para que a ajuda seja concedida.
Fonte: Diário do Pará