Dalva caminha pelo hospital Dom Pedro 2º, no Jaçanã (na zona norte de São Paulo), com a desenvoltura de uma jovenzinha, mas os cabelos brancos denunciam: está na terceira idade.
De sorriso fácil, Maria Mudinha, como já foi chamada no hospital onde está há quatro anos, faz amizade logo.
Com rapidez, trança o seu braço com o da repórter-fotográfica toda vez que ela lhe pede para andar em busca de um novo cenário para a foto.
Ao ser fotografada, faz diferentes poses com as mãos, ora na cintura, ora no rosto, como se fosse uma modelo profissional.
É com a mesma simpatia que Dalva faz crochê com as amigas, também pacientes.
É com a mesma simpatia que Dalva faz crochê com as amigas, também pacientes.
Apesar do desembaraço, a idosa vive como que presa em seu mundo particular, a exemplo do jornalista francês Jean-Dominique Bauby, cuja paralisia do corpo aliada a uma mente lúcida foi relatada em livro e no filme "O Escafandro e a Borboleta".
Raquel Cunha/Folhapress | ||
Muda, Dalva chegou a hospital da zona norte de SP há quatro anos sem documentos; ela usa gestos para pedir pra ir pra casa |
PALAVRAS
Dalva lê os lábios e escuta bem, mas foi diagnosticada como muda. O hospital entende que ela é analfabeta.
Ao receber papel e caneta, ela desenhou símbolos religiosos -uma cruz, a estrela de Davi e a meia-lua com a estrela, do islã.
Escreveu, ainda, em letras de forma: "türkçe" e "pycckии" -termos que significam "turco" e "russo"- e outras cinco palavras incompreensíveis
Escreveu, ainda, em letras de forma: "türkçe" e "pycckии" -termos que significam "turco" e "russo"- e outras cinco palavras incompreensíveis
.
A mensagem das cinco palavras segue um mistério para o hospital e para a reportagem. Procurados pela Folha, os consulados da Turquia e da Rússia disseram que a frase nada significa em seus respectivos idiomas.
Todos os dias, ela insiste em tentar falar com os funcionários. "Ela emite sons, como que nos cobrando uma resposta", conta a diretora Sueli Luciano Pires.
Um gesto é repetido diariamente. Os dedos polegar e mínimo são estendidos próximo ao ouvido, como se ela falasse ao telefone, e a mão pousa no coração.
Para os funcionários do Dom Pedro 2º, Dalva pede para ir para casa.
Veja aqui a relação de pacientes sem identificação em hospitais de São Paulo.