Sexo é pele, movimento, contrações. O gozo é objetivo, consequência, músculo, arranhões. E quando não há a capacidade de sentir? Quando membro algum responde ao desejo e à vontade? Para quem sempre teve uma vida comum, com um corpo “perfeito”, ver-se paraplégico ou tetraplégico poderia significar a morte de uma de nossas expressões mais carnais e humanas de carinho, prazer e liberdade. Mas é preciso reinventar o sexo. Do toque ao orgasmo. Reencontrar esse caminho do sexo representa uma busca por saúde.
No Recife, uma iniciativa de fisioterapeutas e psicólogos vem mudando a forma como pessoas que têm comprometimento de movimentos lidam com a própria vida sexual. O grupo de orientação sexual para lesionados medulares funciona no centro de reabilitação física do Hospital Pedro Segundo e oferece uma troca de experiências entre pacientes e seus companheiros, que lidam diretamente com as limitações da doença. A iniciativa, criada há quatro meses, já atendeu cerca de 20 pacientes e busca estimular a redescoberta do sexo por parte dos integrantes.
De acordo com a fisioterapeuta que coordena o grupo, Amanda Alcântara, como nem sempre há ereção ou excitação vaginal, o trabalho propõe o aprendizado de novas formas de prazer, com estímulos em áreas sensíveis do corpo. “Boca, pescoço, nuca, couro cabeludo, braços e mamilos são alguns dos pontos que, com a sensibilidade aguçada, podem ser utilizados na hora dessa relação sexual, que não necessariamente envolve a área genital. A possibilidade de ereção, por exemplo, vai depender do tipo de lesão sofrida pelo paciente”, explica.
O orgasmo está na cabeça. É uma sensação. Um ápice de prazer que pouco tem a ver com a demonstração física de satisfação. Ter um orgasmo não é ejacular, mas ter o corpo invadido por um hormônios, um relaxamento além do normal, o que pouco tem a ver exatamente com os órgãos genitais propriamente ditos. De acordo com a psicóloga Raíssa Bittencourt, paciente e companheiro passam por um mesmo nível de dificuldade, ainda que a adaptação de cada caso seja diferente. “Inicialmente, a pessoa acha que nunca mais terá vida sexual ativa, mas o desejo e a vontade ainda existe. E o pior, a vergonha, timidez e a falta de conhecimento do próprio corpo podem atrapalhar nesse processo de recuperação, que exige criatividade”, explica.
O preparo de paciente e parceiro também deve estar presente durante as tentativas. Por muitas vezes não ter controle do sistema excretor, é possível haver acidentes com urina e fezes. Compreendendo essa possibilidade, é possível se preparar para a reação, de forma a que isso não se torne um empecilho na relação. “É uma nova primeira vez, sem dúvidas. E há dificuldades no processo de adaptação, pelas quais todo mundo passa”, completa a psicóloga.
Mesmo para quem, sem orientação, já se arrisca a explorar a intimidade, discutir, em grupo, as dificuldades e dúvidas acaba melhorando o relacionamento. É o caso de Fábio Fenelon, 29, e Patrícia Bezerra, 22. Ele é um ex-motoboy que, em um acidente no bairro de Boa Viagem, há quatro anos, acabou tetraplégico. Segundo os médicos, o comprometimento cervical de Fábio foi incompleto, o que permite a recuperação gradual de parte dos movimentos, mantendo, por exemplo, a capacidade de ereção. “No primeiro ano, eu não conseguia mexer mais do que o pescoço, mas sempre consegui ter sexo. Depois de 200 dias internado, assim que cheguei em casa, matamos a vontade. Era algo que eu tinha insegurança, porque era diferente, mas a gente foi se adaptando”, garante o morador de Camaragibe, que acaba de ser pai.
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Fonte: Diário de Pernambuco