Aos 26 anos, o paulista Yves Carbinatti treina na academia do Corinthians – e é dos pupilos de Ramon Lemos, que treina Anderson Silva e Júnior Cigano
“Ainda não existe uma modalidade específica de luta para cadeirante. Muita gente procura, mas o esporte é pouco divulgado”, lamenta o atleta
Assim como vários outros fãs de MMA que acompanham ídolos como Anderson Silva, Jon Jones e José Aldo, o paulista Yves Carbinatti também sonha em ser um lutador de sucesso. Aos 26 anos, ele treina jiu-jitsu e boxe desde os 13 e já venceu campeonatos estaduais e brasileiros. Os oponentes que encara em suas lutas, porém, não são a maior adversidade que o atleta nascido em Rio Claro enfrenta em sua carreira esportiva. Quando tinha 21 anos e estava na metade do curso de Engenharia, Carbinatti se envolveu em um acidente de carro enquanto dormia no banco traseiro. O automóvel capotou quase dez vezes. Ele ficou paraplégico. Depois de algumas cirurgias e muitas palavras de incentivo, Carbinatti decidiu escutar o mestre Ramon Lemos, responsável por treinar o jiu-jitsu de Anderson Silva e Júnior Cigano, e voltou para a academia, tentando não só retomar a prática esportiva como ajudar a aperfeiçoar o treinamento para os atletas que não têm os movimentos das pernas. “Eu só voltei a treinar por insistência do Ramon Lemos”, lembra. “Ele já tinha pensado como seriam os treinos adaptados para o meu corpo. O Ramon amarrava as pernas dos outros lutadores, que sentiam a mesma dificuldade que eu tenho.” No fim, todos saíram ganhando. Yves voltou a sonhar em ser lutador profissional – e seus sparrings também acabaram evoluindo, ganhando mais agilidade nos membros superiores.
Apesar da boa vontade e da ajuda dos amigos, encontrar adversários ainda é uma missão complicada para Yves Carbinatti. Após muita procura, surgiu o interesse do organizador de um evento inglês que reúne apenas lutadores com algum tipo de deficiência física. O confronto estava agendado para este mês, na Inglaterra, mas a equipe de Carbinatti tentava trazer a luta para o Brasil. Alguns dias antes da data combinada, quando o brasileiro já estava na reta final de treinamento, a luta foi cancelada. Mesmo assim, ele continua sua rotina de preparação, com treinos de boxe e jiu-jitsu quase todos os dias da semana. “Ainda não existe uma modalidade específica de luta para cadeirante. Muita gente procura, mas o esporte é pouco divulgado”, lamenta o atleta, que está quase todos os dias na academia de MMA do Corinthians, no Parque São Jorge. Sentado em um dos cantos do tatame, Yves Carbinatti treina com atletas sem limitações físicas enquanto os amigos passam as instruções sobre as estratégias de luta. O acidente fez com ele perdesse totalmente os movimentos das pernas e parcialmente das mãos. Carbinatti mostra excelente técnica quando encosta a cabeça no peito do adversário, para não sofrer nenhum estrangulamento no pescoço, mas encontra um pouco de dificuldade para fechar com força as chaves de mãos. Para evitar o desgaste do corpo, os rounds dos seus treinos duram cerca de 3 minutos.
Após terminar a faculdade de Engenharia e voltar aos treinos, Yves Carbinatti decidiu no começo de 2013 que deixaria o trabalho para se dedicar ao MMA profissional. Ainda pouco divulgado no Brasil, o esporte para cadeirantes pode parecer estranho e até um pouco agoniante para quem assiste de longe. As regras ainda não estão totalmente estabelecidas e devem variar de acordo com os campeonatos. O atleta explica, porém, que algumas normas básicas não podem ser deixadas de lado. Os dois lutadores começam sentados em suas cadeiras, podendo trocar golpes de boxe da linha de cintura para cima – nada de acertar os membros inferiores. A luta vai para o chão quando alguém consegue derrubar o adversário pelo corpo ou puxando a cadeira. Se um atleta cair no tatame, o árbitro para o combate e o atleta que derrubou o oponente também vai para a luta de chão. O combate continua fora das cadeiras até o fim do round, que deve durar cinco minutos. No intervalo, os lutadores voltam para a posição de início. “Todos os nossos movimentos são feitos com os braços, como mover a cadeira de rodas e golpear o adversário”, diz Carbinatti, ressaltando que o esporte exige muito dos membros superiores.
Com as regras pré-definidas, o passo seguinte foi pensar como seria a cadeira de rodas especial para os lutadores. E nesse ponto Yves Carbinatti levou vantagem, pois os cinco anos da faculdade de Engenharia o ajudaram bastante. “Encarei isso como um desafio pessoal, precisava fazer uma coisa muito bem feita”, afirma. Para explicar, ele pede a um amigo que pegue a cadeira específica de treino que estava em seu carro e começa a adaptação. As rodas são as mesmas de uma cadeira normal, mas a estrutura completa é totalmente diferente. Um dos principais detalhes é a proteção para os pés, que ficam protegidos por uma presilha com velcro, e da cintura. “Isso é fundamental para evitar contato e lesões nos membros inferiores”. A cadeira tem uma angulação especial para ter mais estabilidade. Para evitar que os lutadores caiam para trás em um possível nocaute, existe uma rodinha extra, que impossibilita o acidente. “Foram dois meses pensando como seria a cadeira de rodas perfeita para a luta”, diz Carbinatti, que se diz orgulhoso de ser um lutador profissional. “É muito boa a sensação de mostrar aos outros que até mesmo os cadeirantes podem praticar esportes.”
Fonte: Veja